Reino do Kongo Dia Ntotila.
Expedição Portuguesa comparecendo perante
o rei do Congo © National Maritime
Museum.“Makukua Matatu Malemb’e Kongo” é uma expressão
que, de acordo com a tradição oral, nos leva a entender, que o reino do Congo
era um todo composto por três partes distintas: “Makukua”; “Matatu”; “Malemb’e”.
O relato de Ana Maria de Oliveira – no seu trabalho de investigação intitulado
“Elementos Simbólicos do Kimbanguismo”, saído a público em 1999, através de uma
edição da Missão de Cooperação Francesa –, refere-se aos três troncos da
termiteira e também às três pedras ao fogo que suportam a panela, o que, em
sentido figurado significa: a lareira, a casa materna e, por analogia, o lugar
onde se cria, onde se decide, o centro onde tudo começou. Daí que “Makukua
Matatu Malemb’e Kongo” pode, em princípio, ser aceite como “as três lareiras, as
três pedras de base, as três partes, a trindade que formava o antigo reino do
Kongo”. Estas três componentes correspondiam a três áreas geograficamente
distintas e bem diferenciadas do ponto de vista sócio-econômico, cada uma delas
associada a um dos três descendentes do manikongo (rei do Congo).
O
antepassado de todos os Bakongo (a “mãe grande” que a tudo deu início) é
“Nzinga”, filha de “Nkuvu”, casada com “Nimi” e de quem teve dois rapazes e uma
menina, respectivamente, “Vit’a Nimi”, “Mpanzu’a Nimi” e “Lwkeni Lwa Nimi”. Os
três constituíam a base da sociedade do reino do Congo: “Makukua Matatu Malemb’e
Kongo”. O nome das três crianças associado ao nome de “Nzinga” representa a
linhagem “Tuvila”.
“Vit’a Nimi”, o filho mais velho de “Nimi”, a quem se
chamou “Ne Nvunda” era também conhecido por Nsaku, que significa aquele que
traça os destinos do Congo. Daí que, deste ramo tenha surgido uma descendência
de diplomatas, pois sempre que os “ntotila” tinham necessidade de enviar
embaixadas ou missões ao estrangeiro, escolhiam individualidades do ramo
“Kisaku”.
O segundo filho, “Mpanzu’a Nimi”, teve uma descendência numerosa.
Era por natureza guerreiro. Também um excelente agricultor e um bom conhecedor
de minerais.
Lukeni foi a mais difícil de criar. Dai ser também conhecida por
“Vuzi”; ou seja, aquela que cria problemas. Era muito bela e desprezava quase
tudo o que comia, excepto carne. Casou e teve três filhos, que eram também muito
admirados, quer pela sua beleza, quer pelo seu carácter. Cada um destes três
filhos de “Nzinga” recebeu uma parcela do território do reino do Congo.
A
fronteira de cada área geográfica era delimitada com uma plantação de uma árvore
de nome “Nsanda”, que simboliza vitalidade e firmeza.
Nas áreas territoriais
pertencentes a um grupo diferente era associado um outro símbolo de referência.
As fronteiras do Reino do KongoMbanza Congo era
a capital administrativa do reino do Congo, cujas delimitações, segundo Raphael
Batsikama ba Mampuya ma Ndwala, citado por Ana Maria de Oliveira, correspondiam
a um espaço territorial “entre o segundo e o décimo terceiro grau a Sul do
Equador”, o que equivalia a uma linha imaginária, que ia do Cabo de S. Catarina,
no Atlântico, ao ponto de convergência com o rio Cuango. A Ocidente, o reino do
Congo estava demarcado pelo Oceano Atlântico e a Este “tocava o país dos Lunda”.
Considerando a actual configuração geográfica angolana, o grupo
etnolinguístico Bacongo, que vive essencialmente da agricultura, mas também da
pesca (os solongo) e do comércio (os zombo), ocupa as actuais províncias
administrativas de Cabinda, Zaire, Uíge e uma parte do Kwanza-Norte e foi o
primeiro a ter contacto com os portugueses.
As datas do
“descobrimento”No seu livro, intitulado “Religiões de Angola”,
editado em Lisboa, em 1969, pela Junta de Investigações do Ultramar, Eduardo dos
Santos diz-nos que está ainda por esclarecer o ano em que o navegador português
Diogo Cão chegou à foz do rio Zaire. As dúvidas andam em torno da data (1482)
inscrita no Padrão de Santo Agostinho, erguido no cabo de Santa Maria, e dos
anos que nos falam João de Barros (1484), Duarte Pacheco Pereira (1484), Rui de
Pina (1485), Garcia de Resende (1485), D. Francisco de S. Luís
(1485).
As relações de horizontalidade entre o Reino do Kongo e o
Reino de PortugalDe acordo com Gerald J. Bender, em “Angola sob
Domínio Português”, na costa ocidental de África, os reinos do Benin e do Congo
assemelhavam-se ao pequeno reino de Portugal, quanto ao número de habitantes
(cerca de um milhão); “noutros aspectos, porém (por exemplo, grau de
centralização, controlo político, manufactura de vestiário e artefactos),
ultrapassavam talvez o Portugal medievo”. Daí que, as primeiras iniciativas
diplomáticas, entre o reino de Portugal e estes dois potentados africanos, se
tivessem caracterizado pela procura de uma maior horizontalidade no
estabelecimento das suas relações. A comprovar este fato, podemos levar em
conta:
- A consagração do baptismo do manicongo Nzinga-a-Nkuvu, a 3 de
Maio de 1491, com o nome de João e de sua esposa Mani Mombada, a 4 de Junho
desse mesmo ano, com o nome de Leonor, dia em que também foi benzida a primeira
pedra para a construção da igreja em Mbanza Congo, dedicada a Santa Cruz;
-
Em 1508, D. Afonso do Kongo enviou a Portugal uma embaixada, da qual faziam
parte, seu irmão D. Manuel e seu primo D. Pedro, este com o propósito de trazer
para Mbanza Congo o modelo de organização do reino português;
- Em 1515
partiu para Lisboa o próprio filho do manicongo Mbemba-a-Nzinga, D. Henrique,
para ser educado num seminário, tendo ficado a residir no Mosteiro de Santo
Eloi. A 3 de Maio de 1518, D. Henrique recebeu, em Roma, do papa Leão X, o
título de bispo Uticense. Posteriormente, voltou a Lisboa, ficando ligado à
Congregação de S. João Evangelista do Espírito Santo. Regressou ao reino do
Congo e, em 1521, voltou a Portugal e também a Roma, em 1523.
Ainda de
realçar o teor de uma das várias cartas de D. Afonso do Kongo ao rei D. Manuel,
datada de 31 de Maio de 1515, solicitando que Manuel Vaz ficasse responsável
pelas suas mercadorias em Portugal: “Muito alto e poderoso Senhor – Porquanto
queríamos mandar alguma nossa fazenda a esses reinos como já temos escrito em
outra a vossa alteza para nos prouvemos de algumas coisas assim para que cumpre
para nossa fé como para nossa pessoa, rogamos a Manuel Vaz vosso criado que ora
cá veio que quisesse tomar cargo de nossas coisas portanto é homem que sempre
achamos muito fiel de algumas coisas que lhe mandamos, e a nossa gente toda
estar bem com ele e ele nos ter muito bem servido assim lá o que a nós cumpria
como cá e por saber o que cumpre para nós melhor que ninguém, e ele nos disse
que o não havia de fazer sem vossa alteza lho mandar, pelo qual pedimos a vossa
alteza que lhe mande que tome cargo de nossas coisas e nos sirva nisto,
porquanto não temos homem nesses reinos de quem confiemos a nossa fazenda senão
deste e quando por sua vontade não quiser, mande-lhe vossa alteza por força não
que receberemos muita mercê: e nos tornamos ora enviar a D. Francisco e D. Pedro
Afonso nossos sobrinhos para pedir esta e as outras mercês que a vossa alteza
enviamos, pedir os quais encomendamos a vossa alteza como nossos parentes que
são, Nosso Senhor acrescente os dias e estado de vossa real alteza e seu santo
serviço. Escrita na nossa cidade do Congo ao derradeiro dia do mês de Maio, João
Teixeira o fez de mil quinhentos e quinze anos. El-Rei D.
Afonso”.
A contribuição para a criação dos
Estados-NaçãoA herança cultural do antigo reino do Congo
encontra-se, hoje, dividida e subordinada às distintas identidades políticas em
Angola, nos dois Congos e no Gabão. Cabe agora aos quatro Estados independentes
e soberanos, edificarem, em cada um deles, as suas respectivas nações, onde,
evidentemente, os interesses políticos, económicos e sociais se apresentam bem
diferenciados uns dos outros, independentemente do legado cultural comum se
manter vivo e em permanente interacções com outras culturas africanas e não só,
num espírito de respeito e aceitação mútua.
* Ph.D em Ciências da Educação e
Mestre em Relações Interculturais.